Já que um dos artigos foi discutido como fígado pode ocasionar sintomas neurológicos nada melhor do que falar de um órgão anexo a ele: a vesícula biliar.
Ela está localizada na chamada fossa da vesícula biliar que fica na face visceral ou inferior do fígado e ambos se ligam pelo tecido conjuntivo da cápsula fibrosa hepática. A bile recebe as inervações simpática do nervo esplâncnico maior (origem de T5-T9) e parassimpático do nervo vago. Sua principal função é a de armazenar a bile (com capacidade de armazenamento de até 30 a 60ml) que é produzida continuamente pelo fígado.
A bile segue o trajeto dos chamados ductos biliares. Eles se iniciam no fígado (percorrendo todo um trajeto interno neste órgão pelos canalículos biliares e ductos biliares interlobulares) e são divididos em ductos hepáticos direito e esquerdo. Depois, eles se juntam e formam o ducto hepático comum. Da vesícula biliar, parte o ducto cístico. Quando este se junto com o ducto hepático comum, é formado o ducto colédoco que é a porção final dos ductos biliares, desembocando junto com o ducto pancreático no esfíncter de Oddi ou hepatopancreático.
Mas chega de ductos, não é? Vamos falar agora qual é a função da bile. Acompanhem-me.
Primeiro, vamos fazer uma analogia. Tenho certeza que você que está lendo já lavou uma louça, certo? Imaginem aquele prato bem sujo e gorduroso. Já tentaram lavar apenas com água? Tarefa impossível, não é mesmo? O que se faz, então? Pegamos o detergente para quebrarmos as moléculas de gordura e, dessa forma, limpar o prato. A bile tem exatamente essa função: a de emulsificar a gordura, quebrando-a em pequenas partículas facilitando sua digestão. Como eu disse, o fígado produz continuamente a bile mas se ela só serve para quebrar a gordura, isso quer dizer que a bile só é necessária quando ingerimos alimentos gordurosos. Quando estamos em jejum ou comemos algum alimento livre de gordura, a bile ao invés de entrar no duodeno, retorna pelo ducto cístico até chegar na vesícula biliar. Lembram quando eu escrevi que a vesícula só conseguia armazenar de 30 a 60ml de bile? Na verdade, este órgão é capaz de armazenar cerca de 450ml de bile produzidos pelo fígado (em torno de 12 horas de secreção hepática). O que acontece é que boa parte dos componentes da bile é reabsorvida por sua mucosa (água, sódio, cloreto e outros eletrólitos). Dessa forma, dos 450ml, sobram os 30 a 60ml citados o que faz do que sobrou algo bem concentrado.
Quando ingerimos alimentos gordurosos e esta gordura percorre o trajeto boca/estômago chegando ao duodeno (primeira porção do intestino delgado), ocorrem dois estímulos na vesícula biliar feitos em menor parte pelo nervo vago e em maior parte por um hormônio chamado colecistoquinina (CCK). A parede do duodeno detecta a presença de gordura e começa a produção deste hormônio. A resposta do organismo ocorre em duas fases simultâneas: o esvaziamento rítmico da vesícula biliar e o relaxamento do esfíncter de Oddi.
O problema é que apesar de funcionar muito bem, todo esse sistema é passível de falhas causadas por má alimentação, disfunções dos níveis vertebrais associados com a vesícula biliar, duodeno e ocasionando até um espasmo do esfíncter de Oddi (dessa forma, impedindo que a bile possa entrar no intestino delgado).
Mencionei quando a bile não é necessária, ela retorna do duodeno até a vesícula biliar e lá ela passa por um processo de aumento da sua concentração. O problema é quando a bile fica por muito tempo na vesícula. Ela acaba atingindo níveis muitos concentrados o que leva à precipitação dos sais biliares, formando os famosos cálculos (ou pedras) biliares. Muito se associa esse fenômeno a alta ingestão de gordura na alimentação, mas… acompanhem meu raciocínio. Acabei de explicar que o esvaziamento da vesícula biliar se dá através do estímulo do hormônio CCK que por sua vez é produzido quando a gordura chega ao duodeno. Então por que culpar a ingestão de gordura quando na verdade é ela a responsável por enviar a mensagem de esvaziamento da vesícula, “limpando-a”? Achei dois artigos de blogs que gosto de ler que elencam vários artigos mostrando na verdade que uma dieta rica em carboidratos como pães, massas, açúcares etc e pobre em gordura faziam com que os indivíduos da pesquisa desenvolvessem cálculos biliares. Duvidam? Leiam aqui o artigo do Dr. Souto e este de um médico sueco, o Dr. Eenfeldt (em inglês). O que muita gente acaba fazendo é a associação errada de que depois que os cálculos já se desenvolveram, obviamente, os alimentos gordurosos irão ocasionar cólicas pois estimularão a migração das pedras da vesícula para os ductos cístico ou colédoco podendo ocasionar uma obstrução destes canais. Apesar desse temor, ambos os médicos dizem ter relatos de pessoas que se beneficiaram de uma dieta pobre em carboidratos refinados e alta em gorduras saturadas (manteiga, azeite de oliva, óleo de coco, gordura de carnes etc) mesmo tendo inicialmente alguns episódios de cólica. E há uma citação interessante do Dr. Eenfeldt em seu artigo que destaco aqui:
“Patients with kidney stones get better advice. They are told to drink a lot of fluid, increasing the production of urine, so that stones do not have time to develop. If you already have kidney stones this advice could give you a painful kidney stone attack initially – but you are still advised to drink a lot.The reason why we give the opposite advice when it comes to gallstones might be the obsolete fear of fat. If we were afraid of water instead patients with kidney stones might have been advised to avoid drinking to avoid kidney stone attacks. If they did not improve their kidneys would be surgically removed.”
Traduzindo: pacientes com cálculos renais ganham melhores conselhos. Eles são avisados de que devem beber muito líquido, aumentando a produção de urina, para que as pedras não tenham tempo de se desenvolver. Se você já tem cálculos renais, o conselho pode, inicialmente, causar uma dolorosa cólica renal – mas mesmo assim você é aconselhado a beber muita água.
A razão pela qual recebemos o conselho oposto quando se trata de cálculos biliares pode ser o obsoleto medo da gordura. Se ao invés disso, tivéssemos medo de água, pacientes com cálculos renais poderiam ser aconselhados a evitar a ingestão de água para evitar cólicas renais. Se não melhorassem, seus rins seriam cirurgicamente removidos.
Esta última frase é a associação que o médico sueco fez com os pacientes que sofrem de cólicas biliares que se veem obrigados a retirar suas vesículas biliares por conta das cólicas.
Fiz esse adendo nutricional, pois é compreensível que as pessoas tenham medo da gordura associando-a com obesidade, hipercolesterolemia, diabetes, hipertensão devido ao bombardeamento de más informações que recebemos no dia-a-dia. Aliás se quiserem ter informações embasadas por estudos científicos bem feitos e documentários, sugiro a leitura dos artigos do blog do Dr. Souto e do site Diet Doctor.
Para finalizar e voltar à abordagem osteopática, finalizo com um relato de caso da Dra. Heineman, uma osteopata americana.
Ela apresenta um caso de um paciente de 51 anos com diagnósticos de discinesia biliar e queixa de dor intermitente em hipocôndrio direito há 1 ano. Referia também dor em região tóraco-lombar da coluna e epigástrio. As queixas ocorriam quando comia comidas gordurosas mas apesar disso, tinha uma dieta vegetariana e de baixa ingestão de gorduras. Tinha queixas de alternância entre constipação e diarreia. Não apresentava nenhuma alteração em seus exames de sangue. Não houve localização de cálculos biliares ou qualquer alteração de tamanho da vesícula biliar e dos ductos nos exames de imagem.
Na avaliação osteopática, a osteopata encontrou bloqueios de mobilidade vertebral entre T6-T9. Além disso, a paciente apresentava sensibilidade à palpação do esfíncter de Oddi com sentido anti-horário de rotação. Por último, a osteopata encontrou congestão tecidual na região de vesícula biliar e alterações de mobilidade de sacro e 5ª vértebra lombar.
O tratamento se baseou na liberação da mobilidade articular de sacro e coluna torácica com técnicas articulatórias e de energia muscular, liberações miofasciais de regiões abdominal e lombar e orientações de exercícios respiratórios para mobilização da caixa torácica e diafragma respiratório. Na avaliação osteopática, a osteopata encontrou bloqueios de mobilidade vertebral entre T6-T9. Além disso, a paciente apresentava sensibilidade à palpação do esfíncter de Oddi com sentido anti-horário de rotação. Por último, a osteopata encontrou congestão tecidual na região de vesícula biliar e alterações de mobilidade de sacro e 5a vértebra lombar.
Na segunda sessão, a paciente apresentou melhora das dores em epigástrio, lombar e no hipocôndrio direito. Houve resolução também da queixa de alternância de constipação e diarreia. Foi realizada mais uma sessão e a paciente foi orientada a procurar o serviço de osteopatia se apresentasse os sintomas novamente. Ela não retornou mais.
O relato de caso, apesar de ser uma das fontes científicas de menor acaba tendo a sua importância por se tornar uma literatura que pode originar estudos mais embasados no tratamento osteopático das disfunções da vesícula e das vias biliares.
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