Há alguns meses, atendi uma amiga minha que me procurou com uma queixa principal de cefaleia associada com dor retro-ocular, principalmente no olho esquerdo, sensação de peso na cabeça e discreta tontura. Além disso, relatava fotofobia. De que forma o osteopata enxerga esses sintomas e qual é a sua abordagem frente a esse problema?
Eu vivo dizendo e escrevendo que a osteopatia é uma terapia holística mas nada melhor que pegar um caso e descrevê-lo para todos entenderem melhor qual é esse “todo” que os osteopatas enxergam.
Vamos lá! Primeiramente, é interessante descrever como o sangue chega e sai de nosso crânio. O nosso encéfalo é irrigado por duas artérias iniciais que depois se ramificam para chegar a outras regiões. São elas: as artérias vertebrais e carótidas internas.
Na figura acima é possível visualizar a porção lateral da coluna cervical. Como pode ser visto pela seta azul, há em destaque a artéria vertebral (o canal vermelho) que passa por uma abertura na lateral das vértebras cervicais (chamado forame transverso) da 6a até a 1a cervical. A artéria vertebral é um ramo da artéria subclávia que por sua vez sai da artéria aorta, o principal vaso que sai do coração. Quando há falta e/ou excesso de mobilidade da coluna cervical, o fluxo sanguíneo da artéria vertebral pode ficar diminuído.
Acontece que depois que as artérias vertebrais saem da 1ª vértebra cervical, elas entram no crânio pelo forame magno e lá se juntam formando a artéria basilar. Deste vaso saem inúmeros ramos, um deles é a artéria cerebelar inferior anterior e dela sai a artéria labiríntica ou auditiva interna.
Ela é responsável pela vascularização do centro labiríntico na orelha interna. A diminuição do fluxo sanguíneo para o labirinto pode prejudicar a função desta importante estrutura responsável por informar nosso cérebro o posicionamento e a aceleração de nossa cabeça. Com fluxo diminuído, o labirinto deixa de informar corretamente o sistema nervoso central, causando sintomas como tontura.
Já a artéria carótida comum (ACC) é um ramo direto da aorta (do lado esquerdo) e do tronco braquicefálico (do lado direito). Na altura da 4a vértebra cervical, a ACC se divide em dois ramos: carótidas interna e externa. Esta é responsável pela irrigação de face e estruturas do pescoço, portanto, o enfoque será apenas naquela.
A artéria carótida interna (ACI) continua sua trajetória cranial e no canal carotídeo do osso temporal, adentra o crânio. De lá, ela emite alguns ramos, sendo um deles a artéria oftálmica que é responsável pela irrigação sanguínea de nossos olhos (através também de seus ramos: as artérias ciliares). Ao chegar no Polígono de Willis (ou círculo arterial cerebral), a ACI se torna as artérias cerebrais anterior e média. Há, então, o encontro do sangue enviado pelas duas artérias que eu citei no começo: a ACI e a artéria vertebral, fechando o polígono de Willis e, assim, distribuindo todo o sangue arterial para o encéfalo.
Depois que todo o sangue arterial distribuiu oxigênio para os tecidos correspondentes, é preciso que as hemácias retornem para o coração e pulmões para serem novamente oxigenadas. Aí entra o sistema venoso. Todo este sangue é drenado por dois sistemas: venosos superficial e profundo. Estes sistemas desembocam nos seios venosos da dura-máter que por sua vez drenam todo o sangue pela veia jugular interna e que, posteriormente, se junta à veia subclávia, formando as veias braquiocefálicas culminando na veia cava superior que envia o sangue para a circulação cárdio-pulmonar pelo átrio direito. Os seios venosos estão resumidos na figura abaixo para melhor apreciação.
Para este artigo, destaco alguns deles: os seios cavernosos, petrosos superiores e inferiores e sigmóides. A drenagem do sangue ocular se dá pelas veias vorticosas e ciliares que por sua vez desembocam nas veias oftálmicas superior e inferior. Elas se juntam e passam pela fissura orbital superior do osso esfenóide e desembocam então nos seios cavernosos. Destes, o sangue vai para os seios petrosos superiores e inferiores para se dirigir aos seios sigmóides e destes para a veia jugular interna. Já esta, passa pelo forame jugular seguindo o trajeto já descrito. Ufa! Conseguiram acompanhar? Segurem-se que há mais informações!
Agora há um outro sintoma que eu mencionei lá em cima: a fotofobia. Ela ocorre principalmente por uma desajuste no controle autônomo da abertura pupilar.
Quando o sistema nervoso autônomo parassimpático atua, nossa pupila se contrai (miose) pela ação do esfíncter da íris. Quando somos expostos a uma luz forte tanto ao sairmos de um local escuro quanto quando se aponta uma lanterna em nossos olhos, esse efeito ocorre. Já quando o simpático entra em ação ou o reflexo parassimpático é inibido, nossa pupila se dilata (midríase). Isso ocorre em locais com baixa luminosidade ou em situações de perigo quando precisamos que nossos olhos captem a maior quantidade de luz possível para lutar ou fugir de algum perigo.
O gânglio ciliar é o responsável pelo controle e distribuição dos nervos que se dirigem aos olhos. Passam por ele, os nervos do plexo carótico interno, o III par de nervos cranianos, o óculo-motor e o 1o ramo do nervo trigêmeo (V par de nervos cranianos), este, responsável pela inervação sensitiva do olho (ramo comunicante do nervo nasociliar).
Quem controla a ação simpática são nervos pré-sinápticos que se originam do primeiro segmento torácico (T1) e “sobem” pela cadeia simpática onde fazem sinapse (processo de condução nervosa de um neurônio para o outro) no gânglio cervical superior. De lá, os nervos pós-sinápticos seguem o mesmo caminho da artéria carótida interna se emaranhando neste vaso e formando o plexo carótico interno passando pelo gânglio ciliar e terminando no esfíncter da íris. A ação parassimpática é controlada pelo III par de nervos cranianos, o óculo-motor. Ele, além de ser responsável pela inervação da maioria dos músculos que movem nossos olhos, controla a contração do esfíncter da íris. Mas ao invés de apenas passar pelo gânglio ciliar, o nervo óculo-motor (pré-sináptico) faz sinapse neste gânglio para então se dirigir ao esfíncter da íris (nervo pós-sináptico). O III par de nervos cranianos emerge do crânio também pela fissura orbital superior.
É importante destacar que as artérias vertebrais e carótidas também recebem inervação simpáticas. As vertebrais pelo gânglio estrelado (C7-T1) e as carótidas pelos plexo cervicais.
Com a anatomia descrita, quais as alterações encontradas e de que forma eu poderia ajudar minha amiga?
Do ponto de vista osteopático e relevante para a descrição do caso dela, uma avaliação de sua coluna cervical e torácica e mobilidade da sincondrose esfeno-basilar (ou SEB, é a articulação do osso esfenóide com occipital) e sutura occípito-mastóidea são de suma importância.
Primeiramente, a cervical, já que é o trajeto de todos os vasos que descrevi: artérias vertebrais e carótidas e veias jugulares e pela inervação autonômica simpática de olho e artérias (C0-C1-C2, C4 e T1 seriam pontos importantes para avaliação de mobilidade).
Com relação ao crânio, deve-se avaliar como está posicionada a SEB da paciente. No descritivo de toda a anatomia, conclui-se que um ponto chave do tratamento é o posicionamento da fissura orbital superior. Portanto, as alterações de flexão/extensão e torção da SEB, são tipos de disfunções responsáveis pelo estreitamento dessa região através do aumento da tensão da foice do cérebro (uma continuidade da dura-máter espinhal que é a camada mais externa que recobre nossa medula e encéfalo feita de tecido conjuntivo). Tomemos como exemplo, uma torção esquerda da SEB. Quando essa disfunção ocorre, a asa maior esquerda do osso esfenóide encontra-se mais alta (com o osso occipital mais baixo do lado direito) enquanto que a asa maior direita está mais baixa e o lado esquerdo do occipital mais alto.
Dessa forma, com essas alterações e o aumento da tensão da dura-máter há uma compressão do nervo óculo-motor e das veias oftálmicas gerando um desequilíbrio autônomo no controle da pupila o que justificaria a fotofobia relatada pela paciente (não havendo uma miose adequada e, consequentemente, havendo maior incidência de luz nos olhos, causando a aversão à luz) e a dor retro-ocular por congestão do sangue presente nos olhos, respectivamente. Junto com a compressão das veias oftálmicas, disfunções de flexão ou extensão do temporal (que podem prejudicar a mobilidade da sutura occípito-mastóidea gerando um aumento de tensão do tentório do cerebelo e diafragma da sela turca ou tentório da hipófise [também uma continuidade da dura-máter espinhal]). No primeiro caso, há diminuição da drenagem de todo o sangue intra-craniano pelo forame jugular através da veia jugular interna e no segundo, diminuição da circulação do seio cavernoso. A combinação desses dois fatores gera uma congestão sanguínea intra-craniana pode haver um aumento da pressão nessa região o que justificaria a cefaleia apresentada pela paciente. O tratamento se baseou nas correções de todas essas disfunções.
Espero que tenham gostado desse artigo. Achou muito técnico? Teve dificuldade para entender algum ponto? Comente ou me envie um e-mail. Quer conseguir enxerga o paciente de forma holística e conseguir relacionar a anatomia e fisiologia com as queixas que o paciente te apresenta? Matricule-se já no curso de osteopatia do Colégio Brasileiro de Osteopatia.
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