A Constipação Intestinal Crônica Funcional é um distúrbio da motilidade enterocolônica, de grande relevância e prevalência na população mundial (KHATRI et al., 2011). Segundo o Consenso de Roma III, é definida como a presença, nos últimos seis meses, de dois ou mais dos seguintes critérios: menos de três evacuações por semana, esforço ao evacuar, fezes endurecidas ou fragmentadas, sensação de obstrução ou bloqueio anorretal e uso de manobras manuais para facilitar as evacuações (LONGSTRETH et al., 2006).
Entre as causas da constipação intestinal estão a imobilidade, a ingestão insuficiente de água, o rebaixamento de consciência, a contratibilidade anormal do cólon e os efeitos adversos de medicamentos (LONGSTRETH et al., 2006).
Para Bassotti et al (2011) os sintomas como distensão e sensação de plenitude abdominal, dor contínua ou em pontadas, cólicas, desconforto psicológico e dor ou desconforto em segmentos do tronco, resultam no comprometimento da Qualidade de Vida do indivíduo com constipação.
Estudos sugerem que os protocolos de tratamento da constipação intestinal crônica são de alto custo, por vezes invasivos e nem sempre eficazes, especialmente a longo prazo (PARÉ et al., 2007). O tratamento mais comum está relacionado a mudanças de hábitos de vida, como a ingestão de água e fibra alimentar, e para aqueles pacientes que o distúrbio não é revertido com estas condutas as alternativas baseiam-se no uso de laxantes, biofeedback, enema ou a cirurgia (WALLIS et al., 2003).
A Osteopatia é um método de diagnóstico e tratamento baseado nos princípios da unidade do corpo. Possui uma abordagem estrutural, craniana e visceral. Esta última consiste num conjunto de técnicas manuais destinadas a diagnosticar e normalizar disfunções mecânicas, vasculares e neurológicas das vísceras, com objetivo de melhorar seu funcionamento (REZENDE; GABRIEL, 2008).
Para Hundscheid et al (2007) o tratamento da constipação pela Osteopatia é eficaz pois as estruturas que cercam as vísceras peritoneal podem ter perdido sua capacidade normal de resiliência. Assim, seu objetivo é restaurar o movimento dos órgãos abdominais, devolvendo as características funcionais dos tecidos envolvidos.
Tarsuslu et al (2009) realizaram um estudo piloto com 13 crianças com encefalopatia crônica não progressiva da infância e diagnóstico de constipação intestinal crônica. A intervenção osteopática compreendia em liberação fascial, do músculo iliopsoas e do esfíncter, e mobilizações intestinais, realizada em três sessões semanais, durante seis meses. O protocolo mostrou-se eficaz não só para o aumento da atividade intestinal, mas também a melhora funcional do indivíduo, estando ou não associado ao tratamento medicamentoso.
Sobre o tempo necessário de intervenção Brugman, Fitzgerald e Fryer et al (2010) obtiveram resultados significativos quanto a melhora da gravidade da constipação, dos sintomas, do tempo de trânsito no cólon e da qualidade de vida em indivíduos com constipação crônica, em seis sessões, divididas quatro semanas, com um tratamento osteopático, de mobilização visceral.
Attali et al. (2013) e Florance et al. (2012) propuseram uma intervenção baseada nas disfunções encontradas durante a intervenção de pacientes com síndrome do intestino irritável (SII), patologia que apresenta entre os sintomas a constipação intestinal, e observaram melhora na sintomatologia.
Além desses, outros estudos com propostas semelhantes obtiveram resultados significativos que corroboram com os achados no presente estudo. Holey e Lawler (1995) demonstraram que a massagem abdominal realizada em uma paciente do sexo feminino com constipação crônica, melhoraram os sintomas relacionados a constipação. Silva e Motta (2013) relataram que uma intervenção baseada em massagem abdominal, treinamento muscular abdominal e exercícios respiratórios aumentaram a frequência de evacuação em crianças com constipação. Já, Lamas et al. (2009) demonstraram, após estudar 60 voluntários, que a massagem abdominal foi eficaz na redução da gravidade dos sintomas gastrointestinais.
Entre as hipóteses que podem justificar a melhora dos sintomas da constipação após intervenção direta sobre a mobilidade da víscera está a devolução da capacidade de resiliência das estruturas que cercam as vísceras peritoneais durante a mobilização visceral (HUNDSCHEID, 2007) e a capacidade das técnicas manuais estimularem o organismo a produzir substâncias endocanabinóides que entre outros efeitos são responsáveis por modular a função intestinal (SILVA E MOTTA, 2013; MACPARTLAND, 2005)
Além disso, segundo Woolf (2011) a mobilização visceral pode reduzir a entrada nociceptiva visceral excessiva, reduzindo a probabilidade de ocorrer mudanças de excitabilidade no sistema nervoso central frente a esse aumento de aferências.
Buscando comprovar essa relação entre mobilidade visceral e excitabilidade do sistema nervoso vários estudos foram desenvolvidos. Em um deles que avaliou o limiar de dor à pressão na região dos músculos paravertebrais ao nível de L1 após mobilização do cólon sigmoide, McSweeney et al. (2012) encontraram aumento desse limiar de dor à pressão através da algometria. Em outro, ao avaliar a mobilidade do rim e a eficácia das técnicas de mobilização visceral nesse contexto, demonstraram que essas técnicas não só foram eficazes para melhorar ou restaurar essa mobilidade como para reduzir a percepção da dor a curto prazo em indivíduos com dor lombar baixa não específica (TOZZI, 2012), tornando evidente a capacidade das mobilizações modularem as aferências e consequentemente as respostas advindas delas.
Frente ao exposto, conclui-se que a Osteopatia pode ser uma forma comprovada para auxiliar pacientes com constipação, de maneira não invasiva, segura e com poucas intervenções.
Texto: Hugo Pasin
REFERÊNCIAS
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