Manipulações (Thrust, HVLA) articulares são utilizadas para restaurar o movimento de articulações em disfunção, porém outros efeitos são atribuídos a elas, como analgesia, melhora da relação entre músculos agonistas e antagonistas e relaxamento muscular.
Objetivo: O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos da manipulação na articulação sacro-ilíaca e transição lombossacral sobre a flexibilidade da cadeia muscular posterior.
Métodos: A amostra foi composta de 21 mulheres (média de 26,2±6,1 anos) assintomáticas, alocadas em dois grupos, controle (GC, n=10) e experimental (GE, n=11). Ambos os grupos foram avaliadas (pré e pós-intervenção imediata) com os testes de Schober e de elevação do membro inferior estendido (TEMIE) (bilateralmente) e mensuração da flexibilidade da cadeia muscular posterior pelo Banco de Wells. O GE recebeu a manobra global na pelve (bilateralmente) como intervenção, enquanto que no GC elas apenas permaneceram em decúbito dorsal por 1 minuto. Para analise estatística foi utilizado o teste de normalidade Shapiro-Wilk, para as análises intragrupo utilizou-se o teste t de Student (amostras dependentes), e para as análises intergrupos os testes t de Student (amostras independentes) e Mann-Whitney foram utilizados, todos com nível de significância de 5% (p<0,05).
Resultados: Na análise dos resultados intergrupos (pré-intervenção) não houve diferença significativa para nenhuma das variáveis analisadas. Na análise intragrupo (pré e pós) dos resultados do GC foi encontrada diferença significativa apenas para o Banco de Wells (p=0,0087), já́ no GE houve aumento significativo para o Banco de Wells (p<0,0001) e para o TEMIE (p=0,0488 e p=0,0172). Em relação aos resultados intergrupos (pós-intervenção) houve diferença significativa entre o GE e o GC (p=0,0025) para o Banco de Wells.
Conclusão: A manipulação na articulação sacro-ilíaca e transição lombossacral promoveu aumento da flexibilidade da cadeia muscular posterior em indivíduos assintomáticos do sexo feminino.
Cadeias musculares são circuitos em continuidade de direção e planos, através das quais se propagam as forças organizadoras do corpo, que visam manter o indivíduo em equilíbrio, com menor gasto de energia e maior conforto(1).
A importância das cadeias musculares se dá principalmente ao nível da cintura pélvica, visto que grande parte delas cruza este nível(2).
A cintura pélvica é formada por três ossos: o sacro e as duas pelves. As pelves se unem, anteriormente, pela sínfise púbica, e posteriormente, se unem ao sacro por meio de duas articulações mistas (sindesmoses e sinoviais), as articulações sacro-ilíacas (ASI).
As articulações sinoviais, que tem como principal função o movimento, podem perdê-lo, se estiverem em disfunção. A amplitude de movimento fisiológica da articulação em disfunção pode ser restaurada com algumas modalidades terapêuticas, como a mobilização articular(3), técnica de energia muscular(4) e manipulação articular(5).
Durante a manipulação articular, um impulso de alta velocidade e baixa amplitude é aplicado pelo terapeuta na direção da restrição do movimento, até o limite fisiológico articular. Esse impulso gera estiramento da capsula articular e dos músculos monoarticulares, com objetivo de liberar aderências articulares e restaurar a amplitude de movimento articular fisiológica(6). Há, por via reflexa, inibição da musculatura monoarticular, que contribui para a restauração do movimento, visto que estes músculos também são responsáveis por manter a articulação em disfunção(6).
Além da melhora na biomecânica articular, outros efeitos são atribuídos à manipulação, como analgesia(7,8), melhora da relação entre músculos agonistas e antagonistas(9), aumento da força muscular(10) e diminuição da atividade do motoneurônio alfa (MNα) em indivíduos sintomáticos(11) e assintomáticos(12, 13).
A diminuição da atividade do MNα ocorre porque durante a manipulação, há, inicialmente, aumento dos impulsos gerados nas fibras Ia do fuso neuromuscular (FNM) e, posteriormente, há inibição das mesmas, e como consequência ocorre diminuição dos influxos nas sinapses entre fibra Ia (FNM) e MNα(14). Cabe ressaltar que estes efeitos são observados nos músculos que são inervados pelo segmento submetido à manipulação(15).
Diante disso, a manipulação na ASI e na transição lombossacral (L5/S1), poderia repercutir sobre músculos inervados pelo plexo sacral, raízes L5, S1, S2 e S3(16) e aumentar a amplitude de movimento das ASI e da transição lombossacral, que têm relação neurológica e biomecânica com os músculos da cadeia posterior.
Estudos mostram que a manipulação na ASI, associada ao alongamento dos isquiotibiais(17), ou à técnica de energia muscular para os isquiotibiais(18) repercutem positivamente sobre a flexibilidade destes músculos em indivíduos assintomáticos. E outro estudo mostrou que a manipulação articular na transição lombossacral, diminui a atividade do MNα, avaliada pelo reflexo H do nervo tibial(15).
Pelo exposto, a hipótese deste estudo é que a manipulação na ASI e na transição lombossacral, aumente a flexibilidade da cadeia muscular posterior, e, justifica-se este estudo pela escassez de estudos sobre o tema.
O presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos da manobra global na pelve (atua sobre ASI e transição lombossacral) sobre a flexibilidade da cadeia muscular posterior.
O estudo foi realizado na Clínica de Fisioterapia da Faculdade Anhanguera de Piracicaba entre os meses de março e maio de 2011 e foi aprovado pelo Comitê̂ de Ética em Pesquisa da Anhanguera Educacional por meio do protocolo n° 211/2011. As voluntárias receberam informações sobre o estudo e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram incluídas no estudo mulheres com idade entre 18 e 40 anos, sem incapacidade funcional por lombalgia, segundo o Oswestry Disability Index (ODI)(19). Os critérios de exclusão do estudo foram: histórico de lesão ortopédica ou neurológica nos membros inferiores, coluna e/ou cintura pélvica, doença auto-imune, gestantes e apresentação de incapacidade funcional devido à lombalgia, segundo o ODI(19).
Praticaram, inicialmente, deste estudo, 24 mulheres, recrutadas de forma verbal na cidade de Piracicaba e, desse total, 3 foram excluídas. Duas voluntárias foram excluídas por apresentarem incapacidade funcional decorrente de lombalgia segundo o ODI(19) e uma por apresentar diagnóstico de tendinite patelar. A amostra foi composta de 21 mulheres (média de 26,2±6,1 anos), assintomáticas.
O ODI(19) foi utilizado para triar as voluntárias que não apresentavam incapacidade funcional decorrente da dor lombar. Trata-se de um questionário validado para a língua portuguesa, composto de dez perguntas com seis possíveis respostas, que variam sua pontuação de 0 a 5 pontos. A soma dos pontos é convertida em porcentagem, 0% significa sem incapacidade, e aos valores maiores atribui-se as incapacidades mínima (1 a 20%), moderada (21 a 40%), severa (41 a 60%) e ainda, incapacidade total (61 a 80%) ou paciente acamado (81 a 100%). O questionário foi preenchido pela voluntária sem limite de tempo e sem interferência do pesquisador, porém o mesmo permaneceu próximo para esclarecer eventuais duvidas.
As voluntárias foram divididas entre dois grupos, grupo experimental (GE) e grupo controle (GC), a divisão foi feita por ordem de procura ao estudo, as 11 primeiras voluntárias foram alocadas no GE e as dez seguintes no GC. As voluntárias do GE receberam a manobra global na pelve, apenas uma intervenção, enquanto que as voluntárias do GC não receberam intervenção (pelo mesmo período), permaneceram em decúbito dorsal por 1 minuto. A Figura 1 ilustra a distribuição da amostra.
A manobra global na pelve(20) realizada nas voluntárias do GE, atua sobre a ASI e sobre a transição lombossacral. A manobra foi aplicada bilateralmente por um Fisioterapeuta especialista em Osteopatia e foi realizada conforme descrito por Ricard(20), como mostra a figura 2.
As voluntárias do GE e do GC foram avaliadas antes e imediatamente após o procedimento proposto para cada grupo. A avaliação foi composta de mensuração da flexibilidade da cadeia muscular posterior no Banco de Wells(21), do teste de Schober(22) e do teste de elevação do membro inferior estendido(23), realizado bilateralmente. Para os testes, as voluntárias permaneceram descalças e com roupas flexíveis. A sequência da realização dos testes foi randomizada para cada voluntária, cada teste foi realizado três vezes e sempre pelo mesmo avaliador, para a análise estatística utilizou-se a média das três mensurações.
A flexibilidade da cadeia muscular posterior foi mensurada através do Banco de Wells(21), que consiste num banco retangular de madeira, com um prolongamento que possui uma régua graduada em centímetros, onde a superfície do banco corresponde ao ponto zero, e os níveis acima e abaixo correspondem a valores negativos e positivos, respectivamente. Para a mensuração, as voluntárias permaneceram em posição ortostática sobre o banco, com os pés unidos, foi solicitada flexão máxima do tronco de forma lenta, mantendo as pernas em extensão, até atingir a amplitude máxima. As mãos da voluntária mantiveram-se sobrepostas, para evitar eventuais rotações de tronco, e orientaram-se em direção a régua. O avaliador observou em qual ponto da régua ela conseguiu alcançar com os dedos médios, e anotou o valor, em centímetros.
O teste de Schober foi utilizado com o objetivo de aferir a mobilidade do segmento lombossacral da coluna vertebral, e foi realizado conforme descrito por Marques(22).
O teste de elevação do membro inferior estendido (TEMIE) foi utilizado para avaliar o comprimento dos isquiotibiais através da goniometria. Foi realizado com a voluntária em decúbito dorsal, a região lombossacral em contato com a maca, posição obtida após elevação ativa da cintura pélvica da voluntária em decúbito dorsal, e flexão da coluna lombar realizada passivamente pelo avaliador, após posicionamento de uma de suas mãos na face posterior do sacro. Após o posicionamento, realizou-se, de forma passiva e lenta, flexão da coxa da voluntária mantendo a perna em extensão, sem que houvesse movimento de báscula posterior da cintura pélvica, ou elevação do membro inferior contralateral, que permaneceu em contato com a maca(23). A voluntária foi orientada a relatar o momento em que iniciasse a sensação de alongamento, e nessa amplitude foi realizada a goniométrica (com goniômetro universal da marca Carci®). O eixo do goniômetro foi posicionado ao nível do trocânter maior do fêmur, o braço fixo na linha axilar média do tronco, e o braço móvel na superfície lateral da coxa em direção ao côndilo lateral do fêmur(22). As posições do eixo, do braço fixo e do braço móvel do goniômetro foram marcadas com fitas adesivas, que não foram retiradas após o teste, e na reavaliação os mesmos pontos foram utilizados como referência. O teste foi realizado bilateralmente.
A análise estatística dos resultados foi feita com o programa Bioestat 5.0®. O teste Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a normalidade das amostras. Para as analises intragrupo, foi utilizado o teste t de Student pareado, e, para as analises intergrupos, utilizou-se os testes de Mann-Whitney e t de Student para amostras independentes. Para todos os resultados foi considerado nível de significância de 5% (p<0,05).
A analise estatística intergrupos, considerando os resultados da avaliação pré-intervenção do GE e do GC, demonstrou homogeneidade entre os grupos em relação aos resultados dos testes (Schober p=0,4295, TEMIE p=0,0946 – para membro inferior direito e p=0,4637 – para membro inferior esquerdo e Banco de Wells p=0,7605).
Na análise intragrupo foram observados aumento significativo da flexibilidade da cadeia muscular posterior avaliada pelo Banco de Wells, e da flexibilidade dos isquiotibiais, avaliada pelo TEMIE (para membro inferior direito e esquerdo) no GE e nos resultados do Banco de Wells para o GC.
Para a análise estatística intergrupos (entre GE e GC) foram utilizadas as porcentagens de aumento intragrupo (pré em relação ao pós-intervenção) de cada teste. No TEMIE não houve diferença estatística significativa entre os grupos, para os membros inferiores direito (p=0,0601) e esquerdo (p=0,3787), assim como não houve diferença entre os grupos para os resultados do teste de Schober (p=0,1213). Houve diferença significativa na analise intergrupos dos resultados do Banco de Wells (p=0,0025).
Não houve aumento significativo na flexibilidade global da coluna lombossacral ao teste de Schober, tanto para o GE quanto para o GC.
Esse resultado difere dos resultados encontrados no estudo de Mohseni-Bandpei et al.(24) onde os autores associaram a manipulação da coluna lombar e ASI com exercícios de fortalecimento muscular, em indivíduos com lombalgia, e observaram que houve melhora significativa na ADM de flexão da coluna lombar, avaliada pelo teste de Schober.
A divergência dos resultados pode ser explicada pela diferença das amostras estudadas, já que no presente estudo as voluntárias eram assintomáticas, enquanto que o estudo supracitado estudou indivíduos com lombalgia, que apresentam restrição de ADM de flexão lombar, quando comparados com indivíduos assintomáticos(25), restrição que deve-se, provavelmente, à presença da dor e consequente espasmo protetor, condições que podem ser minimizadas após aplicação da manipulação articular(7,27) e fortalecimento muscular.
Na análise intergrupos, observou-se que houve aumento significativo da mobilidade da cadeia muscular posterior, no GE se comparada ao GC, avaliada pelo Banco de Wells, enquanto que nas análises intragrupo, houve aumento significativo somente para o GE no TEMIE direito e esquerdo. Esses resultados concordam com estudos que associaram a manipulação na ASI com outras modalidades terapêuticas, como a técnica de energia muscular para os isquiotibiais(18) e alongamento ativo para os isquiotibiais(17). Em ambos houve aumento significativo na flexibilidade dos isquiotibiais nos grupos que receberam a manipulação, quando comparados aos grupos que receberam as técnicas supracitadas isoladamente.
Esses resultados, assim como os resultados encontrados no presente estudo, podem ser atribuídos aos efeitos neurofisiológicos da manipulação articular, que, referem-se à atenuação da atividade do MNα, que ocorre no segmento medular (metâmero) correspondente ao local em que foi aplicada a manipulação articular, ou seja, a atividade dos MNα do metâmero L5 (que participa da inervação dos isquiotibiais) foi atenuada após manipulação do segmento vertebral L5/S1(15).
A atenuação da atividade motora ocorre porque após a manipulação articular, há diminuição dos impulsos nas fibras Ia do FNM, e como consequência, há diminuição dos influxos nas sinapses entre fibras Ia e MNα(14), o que leva à inibição transitória, porém significativa da atividade motora(5), como demonstraram estudos que avaliaram indivíduos sintomáticos(11, 26).
A atenuação da atividade do MNα, após a manipulação articular, ocorre também em indivíduos assintomáticos(12,15), e essa atenuação pode perdurar por até 15 minutos, quando avaliada a magnitude do reflexo-H do nervo tibial de indivíduos que receberam manipulação na ASI(28).
No presente estudo o aumento da flexibilidade da cadeia muscular posterior, avaliada pelo Banco de Wells, foi estatisticamente maior no GE, quando comparado com o GC. Considerando que no teste de Schober, não houve aumento significativo para o GE e GC, e que no TEMIE (direito e esquerdo) observou-se aumento significativo somente para o GE, pode-se sugerir que o aumento dos valores do Banco de Wells, esteja relacionado com o aumento da flexibilidade dos isquiotibiais, avaliada pelo TEMIE.
No entanto, além do aumento da flexibilidade dos isquiotibiais, o provável aumento da ADM da ASI pode ter contribuído para os resultados intergrupos do Banco de Wells.
Durante o movimento de flexão da coluna lombar, utilizado no teste de Schober e Banco de Wells, há flexão de L5 sobre S1 e há movimento de flexão do sacro em relação ao ilíaco, ou seja, a base do sacro se movimenta no sentido posterior, e o ápice no sentido anterior, esse movimento do sacro ocorre sobre o eixo transverso, no nível de S2(29). Além da flexão, há translação do sacro em relação ao ilíaco durante o movimento de flexão da coluna lombar, esse movimento de translação ocorre verticalmente, no sentido superior(29).
A flexão do sacro atinge valores de até -1,4°(30), ou -1,1°(31), já́ o movimento de translação vertical do sacro pode atingir valores de até 8mm(29).
Os movimentos atribuídos à ASI durante flexão de tronco e coxas, não devem ser negligenciados no presente estudo, porém, são de pequenas dimensões, e sua influencia sobre os resultados do Banco de Wells deve ser tratada com cautela, visto que, o provável aumento da ADM de flexão de L5 sobre S1, considerado maior, não foi suficiente para alterar os valores do teste de Schober, no GE do presente estudo.
De acordo com a metodologia empregada pode-se concluir que a manipulação (Thrust, HVLA) na articulação sacro-ilíaca e na transição lombossacral, aplicadas bilateralmente, contribuíram para o aumento da flexibilidade dos isquiotibiais e da cadeia muscular posterior, de indivíduos assintomáticos do gênero feminino.
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